Direção e Adaptação de texto: Marcus Alvisi
Figurino: Laís Serra, Lara Arantes, Rafael Freitas
Texto original: Aristófanes (411 a.C.)
Local: Faculdade de Artes Cênicas – CAL – Casa das Artes de Laranjeiras
Turma: BT45
Nas palavras do diretor e realizador da adaptação do texto original:
"Lisístrata - A Greve do Sexo, de Aristófanes, escrita em 411 A.C., é uma comédia dentro da tragédia. Comédia, nas relações das mulheres com os homens. Tragédia, nas relações dos homens com as mulheres. Diferença crucial, uma inversão no movimento de rotação da terra, dessa terra chamada Grécia. É de uma forma quando os homens estão no comando das ações; de outra quando as mulheres tomam a iniciativa. Distinção posta com clareza em Lisístrata através de seus episódios." (Alvisi, 2024)
No respectivo trabalho, o espetáculo clássico se contemporiza em seus debates, expressando-se em uma estética brasileira pelo Funk. Um músical dançado ao invés de cantado. Para essa transposição, a bricolagem deve ser incorporada na Direç˜ao de Arte, que se pautou predominantemente no Figurino, necessitando de trajes com uma ergonomia flexível devido as coreografias de dança.
Devido aos atores se alternarem em alguns personagens, os figurinos também precisaram levar em conta as modelagens enquanto biotipos, adequando-se a altura, busto, etc. Um dos casos era a personagem protagonista e sua coadjuvante, que intercalava entre duas atrizes para cada. Ademais, tratamos aqui de um espetáculo para alunos de Bachalerado 4º período (CAL), havendo o contexto das verbas específicas para sua produção, que neste caso, ocorrendo, neste caso, compras somente para casos e necessidades específicas. Em maioria, contamos com o acervo da CAL, e seleção de peças dos guarda-roupas pessoais (atores e figurinistas).
O primeiro passo na execução dessa tarefa, é a leitura do texto, marcando cada personagem, suas características, indicações de trajes, objetos, cenários, ou seja, a decupagem. Conjuntamente, a compreenção do material em seu contexto, significados, intenções do diretor devem ser consideradas. Nesse caso, Alvisis criou uma peça em bricolagem com o funk brasileiro, ou seja, o figurino deveria ser uma mescla, uma fusão, entre a antiga Grécia e a moda do funk contemporâneo. Pesquisas de referências, inspirações, indumentária e tendências foram realizadas com fotografias da história da moda, teatro, revistas de moda, clipes de músicos e outras fontes, formando assim as pranchas para as mulheres, homens e paleta de cores.
As pranchas
Adotando a base de referência dos trajes Gregos, que se davam em tecidos amarrados e estruturados no corpo sem modelagem, o desafio do dialogo com o funk - justo, curto, demarcado em parte de cima e de baixo -, era encontrar uma linguagem comum. Por isso, as cores foram de enorme importância. Dado que, entre os gregos, pelo menos como nós os imaginamos e conseguimos conceber por meio dos registros disponíveis, a base branca/crua das túnicas eram adornadas por tecidos de cores primárias e joias de ouro e prata, encontramos aí um laço conectivo. Os tons azul, amarelo, verde e vermelho são parte do imaginário do sudeste em seus locais populares, vistos nas caixas de engradados de cerveja, pinturas de ruas, favelas cariocas, sem contar as cores da bandeira do Brasil.
A sensualidade das figuras de cada contexto foi igualmente representativo. Embora as mulheres e homens gregos usassem indumentárias sem moldes feitos nas formas do corpo, eles apreciavam exercícios, músculos e a sexualidade, nos levando a entender as roupas contemporâneas como expressões desses conceitos.
Para as mulheres, criamos uma estrutura que se voltasse para um vestuário do que seria "esportivo" ou "íntimos" da Grécia, transpondo para biquínis, hotpants, saias curtas, e tops com camadas por cima (que era necessário inclusive pelas marcas do texto com sobreposições de tecidos, em que as personagens tiravam e colocavam durante a história).
A personalidade sexy porém durona, guerreira, presente em uma espécie de arquétipo das mulheres de ambos contextos, fechou a grade dos guarda-roupas com muitos adornos dourados, irrelevantes e sensuais. O universo masculino da peça caminhou em paralelo dentro da mesma idéia: guerreiros, funkeiros e "crias" de favelas cariocas. Seus vestuários oscilaram em dois momentos, o primeiro remetendo mais as ruas e o segundo mais a guerra em si, todavia, as peças se mesclavam entre os dois atos da peça, gerando uma continuidade estética. Assim, a prancha dos homens se fez no conceito já indicado, sendo neles uma necessidade de mescla maior, uma mais casuais e outra mais ostentativa.
Ao final, uma outra camada de cores foi percebida como presente no universo do funk, que demonstramos na prancha seguinte, sendo utilizada na realidade, apenas como tom de atmosfera e estilo do brilho neon e saturado.
Isso ocorreu por um aspecto chave que mencionaremos agora: o simbolismo da água e do fogo. Como posto por Alvisi:
"A simbologia entre fogo e água também caracteriza um ponto de tensão nessa comédia pacifista - mesmo que de pacífica sobre pouca coisa. A água, que penetra nas arestas mais finas, dentro e fora de todos nós, deve eclipsar o fogo? Apagar o desejo de matar seres humanos por outros seres humanos? Ou, pelo menos, substituir o anseio de matar pela vontade sexual? Esses questionamentos extremamente ordenados são da personagem Lisístrata, que, como estratégia de luta, programa uma greve do sexo. Nenhum contato enquanto não cessar a guerra!" (Alvisi, 2014)
Assim sendo, foi imprescindível adotar tons frios para as mulheres, e quentes para os homens, visto que, para além da questão metafórica, os próprios diálogos se pautam na idéia da água e fogo ao longo do espetáculo. Com a intenção de não "super-saturar" ou esgotar essas cores deixando uma paleta monocromática e expositiva, gradações de outras tonalidades foram utilizadas, mas com o cuidado das predominâncias se voltarem a este conceito.
A Produção
Como dito, havia alguns desafios, como o orçamento e as alternâncias de atores para alguns personagens. Lisístrata, era interpretada por duas atrizes diferentes, e quando essa não era tal personagem, era outra, criando uma demanda de figurinos diferentes. No caso da protagonista, encontramos um vestido que servia em ambas, precisando de pequenos ajustes, mas sendo esse transparente, o body que usava-se por baixo, precisava serem dois, e por ai segue a lógica.
Para chegar em uma estrutura de organização, foi criado um mapa de cada configuração dos espetáculos foi criado, apontando como se dispunha cada elenco: quem mudava, quem permanecia sempre o mesmo, e até mesmo, aqueles que mudavam de roupa ao longo da peça.
Na produção, a estratégia foi solicitar aos atores roupas e acessórios de que dispunham a partir das referências, acervo da CAL, uma visita ao Saara (rua do Rio de Janeiro), e feira da Gloria, lugar que brechós e produtos de segunda mão são vendidos mais baratos. Além disso, os próprios figurinistas disponibilizaram peças de seu acervo pessoal, formando momentos de prova de figurino ao longo das semanas para experimentar nos atores e ver os resultados de tamanho e composição.
Após tal fase, e com o quadro de organização para cada dia de espetáculo, organizou-se a composição de cada personagem de maneira que, certas vezes, uma mesma peça foi testada em mais de um corpo, logo, o período de testes foi extenso. Precisávamos conferir se as vestes davam conta dos movimentos das danças, expressões corporais, e o coro de atores juntos em cena.
A organização no camarim
Tratando-se de 20 atores, múltiplas camadas de roupas e adornos, uma organização acentuada foi primordial. O espaço da CAL facilitou muito nesse sentido, contando com um camarim amplo, arara e cabides, forneceu uma estrutura profissional. Todo material disposto anteriormente para os testes foi retirado do local, deixando tudo livre para somente o que seria utilizado: cada ator tinha um cabide com o figurino de seus personagens. Havia uma placa com cada nome, um ziplock para os acessórios, e para aqueles que tinham muda de roupa, a assistência da equipe estava lá em todos os dias de espetáculo.
Ao final, após muitas adaptações, a construção geral dos figurinos ganhou coerência e conjunto estético, conseguindo transpor tanto a mescla dos dois universos abordados, como o sentido simbólico. A experiência com tal montagem foi excepcional, em que o figurino tomou vida com as danças, trabalhos de atuação, músicas e claro, direção teatral. Para conferir o resultado completo e bastidores, acesse o link das fotografias executadas por Laís Serra.
Anexo: Programa do Espetáculo completo, com Ensaio editorial por Marcus Alvisi.
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